Desenvolvimento ou crescimento da igreja: os riscos do aumento numérico muito rápido
Nelson Gervoni
O crescimento numérico, altamente desejado pelas lideranças religiosas, não indica necessariamente que a igreja esteja se desenvolvendo, pois quantidade nem sempre significa qualidade |
Há anos que o meio evangélico conta com uma importante ferramenta de diagnóstico e projeção de desenvolvimento de igreja. Trata-se do projeto conhecido como DNI - Desenvolvimento Natural da Igreja, que já alcançou um elevado número de igrejas em outros países e no Brasil. Após “Dez anos de pesquisas, em mais de 1.000 igrejas espalhadas ao redor do mundo em 32 países” (Schwarz, 2003, prefácio), nos cinco continentes, o teólogo alemão Christian Schwarz encontrou as respostas para a sua principal pergunta: O que há de comum nas igrejas que se desenvolvem? Ou: O que leva uma igreja ao desenvolvimento?
Ouvindo
milhares de membros de igrejas pequenas e grandes, históricas e novas,
tradicionais e pentecostais, grandes e pequenas, denominacionais e comunidades,
igrejas que crescem e que decrescem, a pesquisa descobriu oito fatores de desenvolvimento
de uma igreja, chamadas no projeto de “marcas de qualidade”. Vejamos quais são
elas.
Marca
número 1: Liderança capacitadora. Um estilo de liderança mais preocupada
com pessoas que com as coisas.
Marca
número 2: Ministérios orientados pelos dons. A maioria dos crentes sabe
que dons tem e serve a Deus, a igreja e a sociedade com eles.
Marca
número 3: Espiritualidade contagiante. Os crentes vivem a sua fé com
dedicação, paixão, fogo e com entusiasmo.
Marca
número 4: Estruturas funcionais. As estruturas existem porque funcionam e
não por mero tradicionalismo.
Marca
número 5: Culto inspirador. As pessoas vão ao culto porque sentem prazer
em estar ali – acham o culto gostoso – e não pelo cumprimento de um dever
cristão, ou para agradar ao pastor.
Marca
número 6: Grupos pequenos (ou grupos familiares). Os participantes desses
grupos levam à comunhão – que é muito mais ampliada que no templo – questões
que realmente fazem parte do seu dia-a-dia.
Marca
número 7: Evangelização voltada para as necessidades. A liderança da
igreja conhece aqueles que têm o dom de evangelismo e os estimula e encaminha
para esse ministério. Por sua vez o evangelista, através de seus dons, serve
aos não evangélicos em suas necessidades e leva-os à igreja.
Marca
número 8: Relacionamentos marcados pelo amor fraternal. O amor, neste
caso, não é um sentimento romântico que cai sobre as pessoas e de repente vai
embora, mas o fruto e as ações através dos quais as pessoas se ajudam no Corpo.
Os
estudos decorrentes dessa pesquisa demonstram que o nível mais baixo de
qualquer dessas marcas determina o grau de desenvolvimento da igreja. Em outras
palavras, não basta estar bem numa ou mais das oito marcas, se o nível das
restantes estiver abaixo do ideal. Por exemplo, se numa escala de zero a 10 a
marca Espiritualidade contagiante
estiver no nível 6, mas marca Relacionamentos
marcados pelo amor fraternal estiver no nível 3, este menor será o nível de
desenvolvimento da igreja.
Vale
lembrar que em se tratando de igreja crescimento numérico não é a mesma coisa que
desenvolvimento. Aliás, as demais formas de crescimento não estão
necessariamente associadas ao desenvolvimento. Uma criança com 10 anos de
idade, 1,9 metro de altura, pesando 30 quilos e com dificuldades de
aprendizagem está crescendo, mas não está se desenvolvendo.
O
agravante nisso é que quando uma igreja cresce, mas não se desenvolve, a marca
de qualidade mais sacrificada é a de número 8, Relacionamentos marcados pelo
amor fraternal. Quanto a isso, Schwarz afirma que “É interessante
observar que o ‘fator mínimo’ mais comuns de igrejas que têm mais de 1.000
membros é a marca de qualidade ‘relacionamentos marcados pelo amor fraternal’.
No entanto, sempre que o amor é deixado de lado, o desenvolvimento a igreja nas
outras áreas está bloqueado em um ponto crucial” (2003, p. 37).
Por
exemplo, uma igreja que cresce numericamente de forma muito rápida, se não
conta com grupos pequenos se torna uma multidão de:
a)
filhos do mesmo Pai que não se conhecem;
b)
irmãos que, consequentemente, não se amam; e
c)
ouvintes semanais de um pregador que não as pastoreia.
Dessa
forma, uma igreja assim não consegue alcançar os seguintes propósitos bíblicos:
a) Dar suporte uns aos outros e desfrutar da
verdadeira comunhão – Colossenses 3.13 (VKJ): “Zelai uns
pelos outros e perdoai-vos mutuamente (...)”; Filemom 1.6 (NVI): Oro
para que a comunhão que procede da sua fé seja eficaz no pleno conhecimento de
todo o bem que temos em Cristo.
b) Amar uns aos outros – João 13.34 (VKJ): Um novo
mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como Eu vos amei; que
dessa mesma maneira tenhais amor uns para com os outros.
c) Ser
pastoreadas de verdade – Mateus 9.36 (VKJ): Ao ver as multidões, Jesus sentiu grande compaixão pelas
pessoas, pois que estavam aflitas e desamparadas como ovelhas que não têm
pastor.; Ezequiel 34.4 (VKJ): Não fortalecestes a ovelha fraca, não
curastes a doente, não enfaixastes a ferida, não trouxestes de volta as
desgarradas nem buscastes as perdidas; pelo contrário, tendes dominado sobre
elas com tirania.
Quanto a
este último quesito, parece não estar claro aos pastores que há uma distinção
entre administrar, pregar e pastorear. Um pastor bem assessorado consegue
administrar uma igreja com 10 mil membros; um pregador num estádio ou pela TV
consegue falar a milhares de pessoas ao mesmo tempo, mas um pastor sozinho
consegue pastorear o máximo de cem pessoas, e isso com um esforço descomunal.
Essas
coisas nos levam a concluir que o crescimento numérico de uma igreja, embora
traga satisfação pessoal aos líderes e até mesmo aos frequentadores da igreja, pode
ser enganoso, haja vista que crescimento não significa desenvolvimento e
quantidade não significa necessariamente qualidade.
Outra
preocupação é que na qualidade de condutor da Noiva, quando chegar o Dia de dar
conta dela ao Noivo (Hebreus 13.17), o obreiro deverá fazê-lo não como
administrador ou pregador – embora possa ou deva fazer estas coisas – mas como
pastor, guia e cuidador.
Por fim,
nada contra o crescimento quantitativo quando ele ocorre como resultado do
desenvolvimento da qualidade. O perigo é quando a quantidade aumenta muito
rapidamente, em detrimento de um incremento saudável.