Recomendações a um teólogo recém-formado
Nelson Gervoni
Compartilho
nesse artigo as palavras que disse recentemente numa cerimônia que presidi de
Colação de Grau de Bacharel em Teologia, seguida de um ato de ordenação
pastoral e que aqui intitulo “Recomendações a um teólogo recém-formado”. São atitudes
básicas para quem deseja seguir a carreira da teologia, da docência teológica e
do ministério pastoral ao mesmo tempo.
1. Atualize-se sempre
Essa
primeira recomendação é bastante básica e, como tal, útil para qualquer
formação que exige preparo acadêmico. Como qualquer curso, o de teologia não
consegue contemplar em sua grade curricular todos os temas pertinentes à área.
Assim, o teólogo deve continuar lendo a Bíblia e os livros. Paulo orientou a Timóteo
a se aplicar à leitura (1 Tm 4.13b). Em 2 Timóteo 4.13 compreendemos que essa
leitura se referia aos textos do Antigo Testamento (os pergaminhos) e aos
demais livros úteis para o seu ministério. Ryrie (A Bíblia Comentada) afirma que
“Às portas da morte, este missionário-prisioneiro ainda queria estudar!” O
teólogo deve estudar sempre. Estudar a Bíblia, de onde vem a Revelação de Deus
e os livros, de onde vem a compreensão de como o homem e a sociedade se
relacionam com esta Revelação.
2. Seja mais misericordioso que
crítico
A
formação teológica aprimora o obreiro no conhecimento da Bíblia e das ciências
que lhes são correlatas. Esse aprimoramento tende a deixá-lo mais analítico, criterioso
e crítico. O “periscópio” com o qual ele analisa os fatos apesar dos obstáculos, fica mais bem calibrado. Consequentemente seu nível de tolerância cai e se
torna penoso ouvir pessoas que não estejam ao menos no mesmo nível de conhecimento e
compreensão que o seu. Aí, o teólogo deve se valer de um importante instrumento: a
misericórdia. Ela é fruto da humildade que consegue reconhecer que há saberes diferentes
dos seus, que são tão importantes quanto e, muitas vezes, maiores que eles,
mesmo vindo de pessoas que considere menos qualificada ou capacitada que ele.
3. Busque equilíbrio entre ser
teólogo e pastor
Se
o teólogo buscou formação em atenção à vocação pastoral, deverá buscar
equilibrar essas duas coisas que por vezes são tão parecidas e ao mesmo tempo
tão distintas: ser teólogo e pastor. O teólogo é o homem da reflexão, da
crítica, das ideias e da produção de conhecimento. O pastor é o homem que cuida
da alma das almas, cura feridas, sofre junto com as ovelhas, lhes sendo “pai”,
companheiro e amigo. Ser teólogo e pastor é viver um constante paradoxo. Há
situações em que se deve ser mais pastor que teólogo, por exemplo, quando se
está ao lado de um leito de uma ovelha paciente terminal. Mas há situações em
que o pastor deve se revestir da sua teologia e confrontar as injustiças em
todas as suas formas, a corrupção e a crueldade que mata pessoas tanto em Paris
pelas armas do radicalismo religioso, quanto em Mariana pelas armas do
capitalismo ganancioso. Veja Isaias 5.8 contra o latifúndio, Ezequiel 16.49
contra a injustiça social e Tiago 5.1-6 contra o capital que explora a mão de
obra operária.
4. Busque equilíbrio entre o
consenso e o dissenso
É
duro admitir, mas como teólogos vivemos muito mais próximos do dissenso que do
consenso. O dissenso propõe mais perguntas que respostas, mais dúvidas que
certezas, questiona, desconstrói e ultrapassa limites. O dissenso é provocador
e em seus arroubos nos leva a pensar fora da caixa – e até a cair dela – e sair
da zona de conforto. Entretanto, como pastor o teólogo deverá buscar o
consenso. O consenso nos tira do confronto e nos leva ao conforto
– palavras muito parecidas, mas com sentidos opostos. O consenso aponta para a
convergência, enquanto o dissenso atua no campo da divergência. O consenso nos
aproxima da união, enquanto o dissenso nos deixa a pouca distância da
dissensão, onde tanto há espaço para a diversidade de opinião quanto para a
desavença. Veja Romanos 15.5-6.
5. Não fique no raso, mas cuidado
com o excesso de profundidade
Vivemos
uma era de muita futilidade e “rasismo” (desculpe o neologismo) em importantes
áreas da vida. As mídias sociais são um exemplo disso. Outro exemplo é a
escassez de sentido na música, tanto na popular quanto na chamada “música
gospel”. A música popular carece de poesia e a música gospel comercial necessita
de unção. A pregação da Palavra há muito
desprezou os princípios mais elementares da exegese e da hermenêutica. Os
métodos de interpretação histórico-gramatical ou histórico-crítico da Bíblia ou
foram desprezados ou trocados por alegorias fantasiosas ao gosto do pregador. O
teólogo não pode se contentar com o raso. Como no texto de Ezequiel 47 o
teólogo deve começar com as águas pelos artelhos, depois pelos joelhos, pelos
lombos, até chegar às águas profundas. No entanto, deverá tomar cuidado com a
profundidade, pois como disse o Pregador, não é recomendável ser “[...] demasiadamente
sábio; por que te destruirias a ti mesmo?” (Eclesiastes 7.16). Há teólogos –
professores e/ou pastores – que mergulham em profundidades das quais não conseguem
sair para respirar. Outros são tão profundos, mas tão profundos, que com eles
nada vem à superfície. Aí, as pessoas saem de suas aulas ou sermões com pouco
ou nenhum entendimento.
6. Que a oração seja a alavanca da
sua teologia
Para
teólogos cristãos a Bíblia será sempre a sua base, seu ponto de partida. Mas
ele necessitará ainda de um instrumento que alavanque sua compreensão daquilo
que Deus quer revelar a ele e dele para as demais pessoas, através de seus sermões,
aulas ou artigos. Tenho definido a teologia como a “ciência” que “estuda” Deus
e sua relação com tudo quanto ele criou. Isso exige uma compreensão que só se
consegue através da Revelação, que por sua vez só se dá através da oração. Daniel
“recebeu uma revelação divina” e “compreendeu bem a mensagem” (10.1 - Versão King
James), mas mesmo assim, teve que aplicar humildemente o coração em oração por
21 dias para “buscar entendimento” do que lhe foi revelado. (10.12 - KJ). O
teólogo recebe uma revelação, tem uma compreensão geral dos acontecimentos, mas
necessita orar para entender o que de fato está ocorrendo. Batista Mondin (Antropologia
Teológica, p. 27) afirma que “Os teólogos autênticos foram sempre também
grandes homens de oração.” Ele afirma que Tomás de Aquino passava longas horas
de oração “antes de dirigir-se ao escritório para ditar aos auxiliares as
páginas da Suma Teológica.”